CRISES DA VIDA – OPORTUNIDADES PARA CRESCER


 


            Quando tudo vai bem na vida, quando nos cercamos de muitos amigos, bom emprego, carreira promissora, casamento feliz, filhos obedientes, saúde ótima, festas, vida social, qualquer religião parece ser boa, até mesmo a falta dela. Porém, quando o desemprego bate à porta, quando a traição consome a dignidade e a alegria de viver, quando os filhos se voltam para as drogas, quando a saúde se esvai, quando os amigos desaparecem, quando perdemos os entes queridos, como sobreviver em meio às crises da vida?

            Por mais que saibamos que a vida é cheia de contratempos, adversidades e problemas, é possível vencer as crises e ver nelas oportunidades para crescer em todos os aspectos da vida.

Os diferentes tipos de crises

As crises surgem quando menos esperamos, e podem se tornar até mesmo catastróficas na vida de uma pessoa. A morte de um ente querido, uma doença que se prolonga, uma perda financeira que reduz as condições da família, são exemplos.
Gary R. Collins1 afirma que os autores contemporâneos apontam para a existência de pelo menos três tipos de crises que afetam a humanidade, quais sejam:
- As crises acidentais ou situacionais, que ocorrem quando surge uma ameaça repentina ou perda inesperada, como exemplo, a morte de um ente querido, uma doença súbita, a descoberta de uma gravidez fora do casamento, distúrbios sociais como guerra ou depressão econômica, perda da casa ou das economias, perda súbita da reputação e posição.
- As crises de desenvolvimento, que surgem no curso do desenvolvimento humano normal, tais como: entrada na escola ou faculdade, ajustes no casamento, paternidade, aceitação de críticas, adaptação à aposentadoria, enfrentamento da morte de amigos, declínio da saúde.
- As crises existenciais, que surgem quando somos forçados a enfrentar verdades perturbadoras que nos forçam a compreender fatos como: fracasso, velhice, falta de propósito, doença incurável, falta de em que acreditar, perda de bens, aposentadoria, rejeição, viuvez, desvalor, entre outros.
Essas crises podem gerar dor e sofrimento. Mas é em meio a esses momentos que podemos perceber que existe um processo gerado pelas crises, pelo qual podemos aprender algo que nos impulsiona à sobrevivência, ao crescimento. Por isso, podemos dizer que as crises que nos sobrevém são oportunidades para mudar, para crescer e desenvolver nossos recursos internos.
Albert Einstein, refletindo sobre as crises da vida, assim se posicionou: “Não pretendemos que as coisas mudem, se sempre fazemos o mesmo. A crise é a melhor bênção que pode ocorrer com as pessoas e países, porque a crise traz progressos. A criatividade nasce da angústia, como o dia nasce da noite escura. É na crise que nascem as invenções, os descobrimentos e as grandes estratégias. Quem supera a crise, supera a si mesmo sem ficar ‘superado’. Quem atribui à crise seus fracassos e penúrias, violenta seu próprio talento e respeita mais os problemas do que as soluções. A verdadeira crise é a crise da incompetência... Sem crise não há desafios; sem desafios, a vida é uma rotina, uma lenta agonia. Sem crise não há mérito. É na crise que se aflora o melhor de cada um...".
Nos momentos de crise, colocamos nossa criatividade em movimento, despertamos nossa capacidade de compreender, colocamos nosso coração, nossa alma, nosso intelecto, mais próximos de Deus. São as crises que nos fazem estender a mão para segurar nas mãos de Deus ao invés de caminhar sozinhos. Mesmo quando não sabemos para onde seguir, o processo de sofrimento pode servir para conduzir ao despertar quando reconhecemos que, mesmo em meio às crises, Deus sempre está presente.
                                          
A Bíblia e o enfrentamento das crises
           
            Na Bíblia Sagrada existem muitas histórias que falam de crises. Desde Adão, Eva, Caim, Noé, Abraão, Isaque, José, Moisés, Sansão, Jefté, Saul, Davi, Elias, Daniel, e vários outros personagens do Velho Testamento enfrentaram crises. O exemplo de Jó vivenciando uma crise situacional nas cinco áreas vitais – saúde; família; finanças; amigos; casamento; Abraão e Sara enfrentando mudanças críticas; Elias em crise existencial achando que fracassou. No Novo Testamento vemos a família de Lázaro, de Jairo, a viúva de Naim, perdendo seus entes queridos, diversos casos de doenças, dissensões. Porém, em todas essas histórias Deus se fez presente dando a vitória completa após um período necessário para que houvesse a compreensão e a aceitação.
            Embora seja difícil aceitar, as crises da vida podem afetar até mesmo os que se julgam mais preparados emocional e espiritualmente, inclusive os homens de Deus. Todos nós, um dia, passamos por uma luta interna, onde são provados nossos conceitos, nossos princípios e valores, nossa firmeza de caráter e fé. Dessa crise ninguém escapa, nem mesmo o melhor dos líderes. Nem Elias (I Re 19), nem mesmo o próprio Jesus, especialmente antes de Sua crucificação (Lc 22:39-46) deixaram de passar por momentos angustiosos. O mesmo ocorreu com os discípulos, com Pedro, com Paulo e com os primeiros cristãos. Por isso muitas das epístolas nos foram escritas com o intuito de auxiliar a enfrentar as crises que, certamente, eles mesmos já enfrentaram e sabiam que havíamos de enfrentar.
             Jesus nos advertiu que, nesse mundo, teríamos aflições, mas Ele também nos pediu para termos bom ânimo, pois, garantiu, “Eu venci o mundo”. E, se Cristo venceu, mesmo que, por amor a Ele sejamos todos os dias entregues à morte, nada que nos aconteça (incluindo aqui a angústia e as crises da vida) podem nos separar do amor de Cristo, pois “em todas essas coisas somos mais que vencedores, por aquele que nos amou” (Rm 8:35-37).
O apóstolo Paulo afirma que devemos olhar para Jesus, autor e consumador da nossa fé, o qual suportou a cruz e desprezou a afronta para então assentar-se à destra do trono de Deus. E aconselha a cada um de nós que perseveremos: “Considerai, pois, aquele que suportou tais contradições dos pecadores contra si mesmo, para que não enfraqueçais, desfalecendo em vossos ânimos. Ainda não resististes até ao sangue, combatendo contra o pecado” (Hb 12:2-4).
É importante que consideremos que as crises fazem parte da vida e que depende de cada um de nós como sair delas. A maioria das pessoas exalta os profetas de Deus e o poder do Espírito sobre eles; poucos param para pensar sobre as crises que enfrentaram na vida. Ciro Sepúlveda2 relata que Ellen White, vista como grande escritora, mensageira, mãe, esposa, amiga, experimentou lutas e dificuldades, como mortes de pessoas próximas, enfermidades pessoais, escassez de recursos a ponto de passar necessidade, críticas e oposições, e assim como os profetas bíblicos, necessitou da graça divina para continuar confiando incondicionalmente em Deus para sua salvação. E, de acordo com George R. Knight3, porque confiava incondicionalmente em Deus, agia sempre com dedicação, equilíbrio e fidelidade, dando um testemunho condizente com a fé que professava, apesar das crises que enfrentava. Tal postura fez com que muitos de seus críticos concordassem que seu cristianismo era exemplar.
            Podemos perceber, assim, que as crises podem servir para fortalecer a nossa fé ou o nosso testemunho. Por mais estranho que possa parecer, as crises podem ser convenientes, se estivermos ao lado de Cristo. Não há vitória sem que antes haja uma batalha. E a batalha do cristão é travada tanto na vida cotidiana quanto na vida espiritual. O Evangelho não promete que, ao aceitarmos a Cristo, estaremos isentos de problemas; ao contrário, aquele que serve a Deus está envolvido continuamente numa guerra espiritual. E os problemas da vida, as crises emocionais, financeiras, de saúde, podem comprometer mais ainda nossos esforços espirituais, se nossa fé não estiver firmemente colocada em Cristo.
            Contudo, se passarmos pelas crises firmados na fé em Cristo, poderemos entender o que o apóstolo Paulo quis nos dizer quando  declarou que: “em tudo somos atribulados, mas não angustiados; perplexos, mas não desesperados” (II Co 4:8).
            Não é porque somos cristãos que Deus nos transforma em pessoas de ferro. Continuamos a ser humanos de carne e osso, porém, revestidos do poder do Espírito Santo, confiantemente achegados a Cristo, podemos vencer todas as crises da vida. Da salvação podemos obter bênçãos maravilhosas, mas somente poderemos desfrutar dessas bênçãos, verdadeiramente, à medida que somos transformados e moldados segundo o caráter de Cristo.
            Lembremos sempre que, por mais difíceis e insuportáveis que pareçam ser as crises que enfrentamos, a Palavra de Deus nos garante: “Não sobreveio a vocês tentação que não fosse comum aos homens. E Deus é fiel; Ele não permitirá que vocês sejam tentados além do que podem suportar. Mas, quando forem tentados, Ele mesmo providenciará um escape, para que o possam suportar” (I Co 10:13).

Vendo oportunidades nas crises

            As crises que se apresentam nas nossas vidas podem ser oportunidades para crescermos em vários aspectos. Ellen White4 nos afirma que: “O verdadeiro sucesso em cada setor de trabalho não é resultado do acaso, ou acidente ou destino. É a operação da providência de Deus, a recompensa da fé e discrição, da virtude e perseverança. Finas qualidades mentais e alto tono moral não são resultado de acidente. Deus dá oportunidades; o sucesso depende do uso que delas se fizer”.
            Algumas lições que tiramos das crises que enfrentamos podem abrir novos horizontes e perspectivas na vida. Podem nos revelar novos amigos, novos negócios. Podem nos trazer para mais perto de Deus. Podem nos mostrar como realmente somos. Podem nos mostrar com quem realmente nos relacionamos. As crises são momentos para parar e pensar não apenas em quem ou no que provocou a crise, mas também no que nós podemos fazer para mudar a perspectiva e a continuidade do que vinha acontecendo. Muitas crises são a encruzilhada necessária para fazer com que tomemos a decisão de mudar o que não tínhamos coragem e passarmos a viver de uma forma diferente.
            Das lições mais importantes que podemos aprender e que podem nos mostrar oportunidades para crescer destacamos as seguintes:
            - as crises são oportunidades para libertação (Jz 6:8-9): “Do Egito eu vos fiz subir, e vos tirei da casa da servidão; E vos livrei da mão dos egípcios, e da mão de todos quantos vos oprimiam”.
            - as crises são oportunidades para recomeço (I Co 6:9-11): "Ou não sabeis que os injustos não herdarão o reino de Deus? Não vos enganeis: nem impuros, nem idólatras, nem adúlteros, nem efeminados, nem sodomitas, nem ladrões, nem avarentos, nem bêbados, nem maldizentes, nem roubadores, herdarão o reino de Deus. Tais fostes alguns de vós; mas vós vos lavastes, mas fostes santificados, mas fostes justificados, em o nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus".
            - as crises são oportunidades para enxergarmos nosso valor (I Pe 2:9): “vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido”; e (I Pe 1:18-19): “Sabendo que não foi com coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados da vossa vã maneira de viver que por tradição recebestes dos vossos pais, mas com o precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro imaculado e incontaminado”.
- as crises são oportunidades para reconhecermos nossas fraquezas (Lc 22:60-62): “Pedro respondeu: Homem, não sei do que você estão falando! Falava ele ainda, quando o galo cantou. O Senhor voltou-se e olhou diretamente para Pedro. Então Pedro se lembrou da palavra que o Senhor lhe tinha dito: Antes que o galo cante hoje, você me negará três vezes. Saindo dali, chorou amargamente”.
- as crises são oportunidades para vencer a depressão e o medo (Sl 42: 11): “Por que estás abatida, ó minha alma, e por que te perturbas dentro de mim? Espera em Deus, pois ainda O louvarei, o qual é a salvação da minha face e o meu Deus”.
- as crises são oportunidades para superar nossos limites e usar a criatividade (Jz 16:28-30): “então Sansão clamou ao Senhor, e disse: Senhor Deus, peço-te que te lembres de mim, e fortalece-me só esta vez ... Abraçou-se, pois, Sansão com as duas colunas do meio em que se sustinha a casa, e arrimou-se sobre elas, ... e inclinou-se com força e a casa caiu sobre os príncipes e sobre todo o povo que nela havia...”.
- as crises são oportunidades para nos aproximarmos de Deus (Jn 2:7): “quando dentro de mim desfalecia minha alma, eu me lembrei do Senhor”.  
- as crises são oportunidades para arrependimento e conversão (II Co 7:9-10): “Agora, porém, me alegro, não porque vocês foram entristecidos, mas porque a tristeza os levou ao arrependimento. Pois vocês se entristeceram como Deus desejava e de forma alguma foram prejudicados por nossa causa. A tristeza segundo Deus não produz remorsos, mas sim um arrependimento que leva à salvação, e a tristeza segundo o mundo produz morte”.
Essas são apenas algumas das muitas oportunidades que se apresentam para nós em meio às crises. Cada um de nós terá suas próprias oportunidades, que podem surgir mais cedo ou mais tarde, dependendo de nossa disposição em enxergá-las.
             O importante é que, diante da crise, conservemos a fé e recordemos as promessas de Deus pra nós, tal como está escrito em Romanos 8:28: “todas as coisas contribuem para o bem daqueles que amam a Deus” e que, “o choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã” (Sl 30:5).
            Por mais difícil que seja é possível tirar proveito das crises que surgem ao longo de nossas vidas. Não precisamos ir longe para ver histórias de superação que mostram que até mesmo o mal que nos sobrevém pode ser revertido em benefício. Se olharmos para nós mesmos, veremos que em vários momentos já vencemos várias crises e crescemos. Já tivemos pequenos e grandes milagres que nos impulsionaram para frente e para cima, rumo ao céu, mediante a fé.
            Sabendo, pois, que Jesus está prestes a voltar e que não retarda a Sua vinda, devemos Nele confiar, vivendo pela fé, sem recuar, mesmo diante das crises da vida, para que possamos achar graça diante de Deus.


                          Erico Tadeu Xavier é professor na faculdade de teologia, IAENE, BA


Referências

1 COLLINS, Gary R. Aconselhamento cristão. São Paulo, SP: Vida Nova, 1988. p. 41-42.

2 SEPÚLVEDA, Ciro. Elena G. de White. Lo que no se contó. Flórida (Buenos Aires): Asociacion Casa Editora Sudamericana, 1988, p. 86.

3 KNIGHT, George R. Walking with Ellen White: the human interest story. Hagerstown, MD: Review and Herald Publishing Association, 1999, p. 43.


4 WHITE, Ellen G. Mente, caráter e personalidade. Tatuí-SP: Casa Publicadora Brasileira, 1989. p. 100.
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